domingo, 25 de novembro de 2012

Fumaça Mágica 318 - SMG & SMI

O que é moda não incomoda. Estes vestidos drapejados, curtos, justos, ousados, que exigem seios fartos, quadris largos, sandálias altas e pernas grossas – moda atual – revelam o conceito dominante quanto à forma de se expor a beleza feminina e atestam, queiramos ou não, a exposição da mulher-mercadoria. E elas, as mulheres, submissas históricas aos ditames e modismos impostos pela SMG, siliconam seios, encurtam os vestidos, comprimem a cintura para aumentar as ancas, malham para engrossar as pernas, calçam sandálias sempre mais altas, quase plataformas de lançamento de mulher ao espaço. Em fantástica concorrência, disputam olhares e desejos, fustigam o imaginário popular masculino e feminino, provocando as mesmas ânsias que causavam simples joelhos expostos no banco de um bonde, sessenta ou mais anos passados.


É um frêmito, é pau; é um pulsar, é pedra. Será o fim do caminho?

Francamente acho que não. As mulheres estão sendo sempre reinventadas. Partindo da nudez paradisíaca encoberta pela folha de parreira, em direção à ocultação corporal medieval (que ainda subsiste na cultura islâmica), ocultações tais impostas pela SMI, indo depois à nudez explícita e, agora, revestidas de outra forma, a vida continuará.

Assim como acontece com meus charutos. Endeusados no passado, quando freqüentavam bocas famosas e outras nem tanto, que agora são discriminados e quase execrados, dia chegará quando voltarão a ser invejados.

É a roda da vida. Nada é o fim do caminho.

Ah! Falei em SMG e SMI. Traduzo: Santa Mídia Global e Santa Madre Igreja.

terça-feira, 26 de julho de 2011

ENCANTOS & TABUS

Charutos, desde o início, sempre tiveram defensores e adversários. São polêmicos em sua essência. Para uns inspiram momentos prazerosos, para outros nem tanto.

Cada charuto, a depender da sua origem, tem um sabor diferente. Para mim os charutos baianos das linhas nobres, são os que mais me satisfazem. Não se trata de uma questão de fama. Trata-se de gosto pessoal, de reconhecimento e de valorização daquilo que é brasileiro, que é nosso.

No que toca à forma de consumi-los há dezenas de publicações e artigos. Todos versando na mesma cartilha. Quase dogmatizando.

Como soe acontecer com tudo na vida, há, de fato, algumas orientações a serem seguidas. Mas também é verdade, também, que há várias questões passíveis de discussão e contestação. Não há regras absolutas.

O consumidor consciente é o supremo senhor da sua vontade e cabe a ele decidir o que fazer com o produto adquirido. Basta que saiba acender o seu charuto. Daí em frente, asas para a imaginação.

Ao longo de minha vida labutando com charutos, escrevendo, lendo, pesquisando, sempre com eles ao lado, tenho me deparado com algumas pérolas oriundas, penso, do intento em agregar valor e sofisticar um ato simples. Fumar um charuto, nada mais que um charuto.

Eu mesmo – reconheço – por muitos anos fiquei atrelado à ortodoxia charuteira.

Querem ver? Leiam o que escrevi em julho de 1984 na lista preços da MENENDEZ & AMERINO. Estava querendo ensinar Pai Nosso ao vigário.

Como todas as coisas boas da vida, fumar charutos é uma arte que os apreciadores preservam com carinho e curtem com prazer.

O ritual inicia na escolha do charuto a ser fumado havendo antes, se aspirado o inconfundível aroma da combinação cedro-tabaco da caixa. A textura e a cor da “capa”, a disposição das veias, os detalhes construtivos, são fatores que ensejam os primeiros prazeres.

A seguir, o apalpar sentindo a maciez e o condicionamento, chegando-se ao ato subseqüente do corte para permitir a aspiração. Uns o preferem em forma de bisel; outros optam pelo corte redondo. Na falta de um instrumento apropriado os mais hábeis valem-se, com elegância, das unhas ou mesmo dos dentes.

Desaconselha-se a introdução de estilete ou palito, pois poderá promover um turbilhão de fumaça no interior do charuto, ocasionando condensações indesejáveis. Agora, dois cuidados: não acender o charuto na ponta errada e assegurar-se que as mãos estejam isentas de perfumes, pois o tabaco absorve-os com facilidade, o que poderá comprometer o paladar. O fogo pode ser da chama de um fósforo mantida próxima à ponta. Durante esta operação pequenas aspirações são efetuadas e, com auxílio de uma das mãos, consegue-se dar voltas ao charuto na boca, conferindo uniformidade à queima inicial. Isqueiros a gás permitem bom acendimento, embora fumadores mais ortodoxos os repudiem. Isqueiros de fluídos não devem ser usados. Aprecia-se também dar lume a uma lasca de laminado de cedro, e desta, transmitir-se o fogo ao charuto.

Prossegue então o prazer que requer calma e longo aprendizado. As características das cinzas estão ligadas aos fumos. Há cinzas alvas, densas, uniformes, compactas. Outras há escuras, plúmbeas, quase negras. Umas e outras poderão apresentar pequenos pontos em relevo. São as “carrosquilhas” que poderão ser pretas ou brancas, abertas ou fechadas. Os iniciados sabem apreciá-las, pois atestam fumos de nobres procedências e apurado paladar.

A manutenção da cinza durante a queima é um costume do passado. Os charutos fabricados com folhas inteiras, devido à estrutura das veias, permitem permanência da cinza, ao contrário dos charuto de fumo picado. Os nobres de então, faziam alarde de seu status equilibrando a cinza. Esta tradição consolidou-se de forma particularmente elegante, mas recomendando-se sempre um cinzeiro apropriado por perto.

É praxe não se tragar um charuto, embora haja quem o faça. É preciso saber deixar a fumaça permanecer na boca, degustando e espirando-a vagarosamente, sentindo toda a doçura característica dos bons tabacos. As aspirações devem ser tranqüilas e espaçadas, fumando-se cerca de três quartas partes do charuto.

Quanto à combustibilidade a mesma deve-se em muito à variedade dos fumos utilizados. Os tabacos cubanos, em geral, não têm boa combustibilidade, exigindo dos fumadores paciência para reacendê-los duas ou até mais vezes. Já os fumos da Bahia queimam de forma excelente e uniforme.

Por fim a pedra de toque do prazer de saborear um charuto: saber depô-lo no cinzeiro, para que por si mesmo se extinga.Gestos nervosos de esmagá-lo não se aprestam a uma arte que requer paciência, tranqüilidade, habilidade e sensibilidade para apreciar que, atrás de cada charuto, se esconde um mundo de perfeccionismo artesanal e secular.

Outros ritos também se incorporam ao Prazer e à Arte de Fumar. Uns umedecem os charutos, ensalivando-os, antes de acendê-los; outros os imergem em determinadas bebidas. Costumes aceitáveis que podem, porém, ser dispensados. Afinal, se o charuto estiver em sua perfeita condição terá o grau de umidade adequado e, por outro lado, imergi-lo em beberagens poderá comprometer o sabor pesquisado pelo fabricante. Pode-se usar uma piteira? A resposta é simples. Bebe-se vinho com canudinho? E qual o procedimento quanto ao anel do charuto? Os anéis surgiram para impedir que as “capas” desenrolassem e, por isso, eram mantidos. Agora, muitos fumadores logo os retiram. A maioria, porém curte o anel durante o ato de fumar retirando-o próximo do final, com cuidado, para não danificar a “capa”, integrando o gesto ao desfrute global.

E quais os melhores charutos? De logo se pensa “os cubanos, é claro”. É certo que estes gozam de um largo prestígio nascido da sua própria origem insular. Hoje, porém os “puros” brasileiros competem com as mais famosas marcas mundiais. Solos próprios, sementes geneticamente climatizadas, avançadas técnicas de cultivo, obediência aos tradicionais processos de fermentação e classificação dos tabacos, colocam ao alcance do nosso público charutos de padrão internacional, elaborados com a mais rigorosa técnica artesanal.

Conversemos sobre alguns de tais paradigmas.

DA FORMA DE EMPUNHAR OS CHARUTOS

Entre os preciosismos, uns há dignos de nota. O Boletim Suerdieck, Nº 6, março, 1950, chegou a ponto de, literalmente, definir o caráter do fumador de charutos, através da maneira pela qual o segura nas mãos. Esquematizando doze distintas formas, concebe o falador, o filósofo, o espirituoso, o enérgico, o cético, o exaltado, o sentimental, o violento, o nobre, o cismado, o egoísta e o sovina. Valei-me meus orixás!
Para mim todas as formas de segurar um charuto são válidas. Inclusive a tradicionalmente estatuída para os cigarros, empunhado em meio aos dedos indicador e médio distendidos. É fato que não é lá muito confortável. Mas nada impede que assim seja.

DA IMERSÃO DO BICO DOS CHARUTOS EM BEBIDAS

Determinada ocasião, escrevendo sobre ritos pessoais (CATÁLOGO MENENDEZ & AMERINO, 1984) condenei o costume de alguns fumadores de imergir o charuto em beberagens. Pretextava, dizendo que tal costume iria “comprometer o sabor pesquisado pelos fabricantes”.

Hoje me questiono. E se o fumador aprecia justamente a combinação do sabor do seu charuto com o sabor da sua bebida predileta? Algo de errado? Absolutamente não.

DO HÁBITO DE MASCAR OS CHARUTOS

Outra feita me flagrei mascando a ponta do meu charuto. Havendo aprendido que a forma propagada como correta é “fumar seco”, ou seja, impedindo que a umidade da boca se transponha ao charuto, fiquei surpreso comigo mesmo.

Estava fumando à maneira muito apreciada por norte-americanos. Houvera sentado à mesa de um bar, ouvindo um samba de breque, num desses feriados da vida, e o charuto se consumira em boa parte, com o bico babado e prensado pelos dentes.

Que coisa horrível – matutei - estou indo de encontro a tudo quanto me ensinaram.

Foi quando, mentalmente, acessei uma de minhas antigas crônicas na qual tratei das portas de entrada do prazer. Ora bolas! Se, ter prazer é dar satisfação aos sentidos, nada de errado. Eu estava com meus sentidos plenamente satisfeitos mascando a ponta do meu puro. Deixei de lado as autopunições e continuei desfrutando aquele especial momento.

Por isso agora, quando vejo alguém imergindo a ponta do seu charuto num cálice de licor; alguém tentando captar o aroma de um charuto sem o ter retirado da bolsa de celofane ou, mais, quando alguém o espreme junto ao ouvido, em busca de alguns estalidos, ou ainda, quando alguém em vez de usar a guilhotina, corta a ponta do charuto com as unhas ou com os dentes, e sei mais lá o quê, me dou conta que todos estão certos.

Errado estava eu, quando houvera me censurado por haver mascado meu charuto.

DO TRAVAMENTO – CHARUTOS ENTUPIDOS

Outra questão alvo de reclamações pelos apreciadores de charutos é a dificuldade encontrada para aspiração, em alguns casos. São os tais charutos “travados”.

Entende-se que, quanto menor for o diâmetro, maior o risco de nos depararmos com o problema. Por isso a maioria dos fumadores opta pela bitolas de maior diâmetro. Aliás, há ainda outra razão para tal preferência, dado importante: a temperatura da fumaça. Sendo ela inversamente proporcional ao diâmetro, quanto maior este, menor será a temperatura do fumo aspirado.

Por força de minha vida em fumar charutos, conclui que a bitola Robustos e outras de maior diâmetro, são as de menor incidência do problema do travamento. O qual, quando aparece, não tem solução. Nada adianta apertá-lo, espremê-lo de cima abaixo, tentando afrouxar sua estrutura ou xingar o fabricante. Pegar outro charuto e despedir-se do malfadado é a única solução.

Controlar a produção para evitar o entupimento tem sido um dos desafios para os fabricantes. Os norte-americanos inventaram uma máquina para controlar o fluxo. Cuba, que antes da Revolução não usava moldes para formatar os charutos, passou também a usar tal máquina a partir de então. Quem nunca encontrou um charuto cubano “travado”, que atire a primeira pedra.

No Brasil a precursora no uso de tal equipamento foi a LECIGAR, no final dos anos 90. Embora a SUERDIECK e a MENENDEZ & AMERINO nunca o tenham adotado, no início dos anos 2000, virou modismo.

A máquina não garante a eliminação do problema do “travamento” por uma razão simples, fácil de ser entendida. Pode-se medir o fluxo de um cigarro, mas não se pode medir o fluxo de um charuto pronto, quando seu bico está fechado. Então, o que se faz tem sido testar o fluxo dos dos charutos semi-acabados, antes de receberem a capa. Mas isto, na prática, não garantirá o perfeito fluxo final.

Mesmo quando o teste mecânico “aprove” o produto, não esqueçamos que o charuto irá, após, ser capeado. As capas, por sua vez, para serem processadas, devem estar umedecidas. Até aí tudo bem.

Recordemos, agora, antigo martírio, o garrote. Uma tira de couro molhado, amarrada pelo algoz, no pescoço da vítima. O couro secava, encolhia e acabava por matar, por asfixia, o supliciado. Pois com as capas dos charutos, especialmente as das variedades mais encorpadas, pode acontecer o mesmo. Quando secam, tendem a comprimir o corpo do charuto.

A verdadeira causa da dificuldade de aspiração resulta do uso dos moldes, sempre que o tirulo esteja com um peso acima do respectivo padrão. É claro que o uso de moldes e a posterior prensagem têm suas compensações. Uniformizam os diâmetros aumentando a beleza dos charutos.

Portanto, o que resolve mesmo é acompanhar-se, por amostragem, os pesos dos tirulos, charuteira por charuteira, bitola por bitola, hora a hora. Etapa importantíssima do controle de qualidade.

Aqui vai um esclarecimento. Por força de minha formação, costumo chamar tirulo ao charuto semi-acabado (os fumos da alma do charuto, envoltos pela sub-capa, também dita capote).

Outros há que preferem a expressão norte-americana bunch. E, curiosidade, na velha SUERDIECK, usava-se a denominação capote, tanto para o tabaco da sub-capa, quanto para o tirulo, propriamente dito.

DA ALMA DOS CHARUTOS

A alma dos charutos, aquilo que chamamos bucha, enchimento, torcida, miolo ou filler, pode ser feita com folhas de tabaco inteiras ou com fumo recortado.

Classificam-se assim, respectivamente, em long-fillers ou de torcida inteira e em short-fillers ou de torcida miúda.

Não há dúvida que, na época áurea do consumo, quando eram consumidos por todas as categorias sociais, os charutos produzidos com torcida miúda, de menor custo e, pois, de preço mais acessível, reinavam absolutos, em termos quantitativos.

Sabe-se que nas grandes fábricas baianas do século 20, significativa parte da produção – algo ao redor de 90% - era centrada em produtos short-fillers.

Aos fabricantes então, não convinha falar sobre o tema. A distinção era puramente técnica, ficando quase restrita aos umbrais das fábricas. Nada a respeito constava em catálogos e demais informativos.

No mercado brasileiro as coisas começaram a mudar com o advento da fábrica MENENDEZ & AMERINO.

Recorrendo a um apelo mercadológico, ao se lançar no mercado, a empresa propagava, entre outros argumentos diferenciais, que seus produtos eram todos long-fillers e, por isso, “melhores”. Habilmente associava qualidade à forma construtiva da bucha e também contribuía para um maior conhecimento dos produtos, por parte dos consumidores. Em poucos anos, os demais fabricantes baianos incorporaram a terminologia nas suas relações com os consumidores.

DAS CINZAS – TAMANHO SERÁ DOCUMENTO?

Imagine alguém fumando um cigarro. Conseguirá manter a cinza por largo período?

É descuidar-se e a cinza despenca. Encrenca certa. Um fumante de cigarros deve ter sempre com um cinzeiro ao lado.

A razão é simples. Sendo os cigarros produzidos com fumos desfiados, a capacidade de aglutinação dos mesmos, após a queima, é praticamente nula. Por isso, seus fumantes estão sempre “batendo a cinza” com um jeito próprio, no qual o dedo indicador funciona como martelete sobre o cigarro preso entre os dedos polegar e médio.

Com os charutos as coisas não são bem assim.

Vimos que a alma dos charutos varia. Há os long-fillers e os short-fillers. Nos primeiros, sendo usado tabaco em folhas inteiras, as veias, de maior consistência e resistência que o restante das folhas, funcionam como uma espinha dorsal das cinzas, durante a queima. Sustentam-na por um bom tempo. Nos charutos short-fillers, tal não acontece. Suas cinzas despencam com maior facilidade. Este fato, porém, não quer significar que não se possam produzir charutos short-fillers de excelente qualidade.

Mas, como a humanidade aprecia ostentação, incorporou hábito de manter cinza enquanto possível, como forma de revelar que o charuto que estava sendo consumido era um produto “mais nobre”, por ser mais caro. Um diferencial social. Foi quando tamanho então, passou a ser documento.

Eu, pessoalmente, não deixo a cinza exceder dois centímetros. A tal altura gosto de livrar-me dela, encostando-a gentilmente contra o cinzeiro, para esboroar-se. Após isso me delicio em apreciar a cinza remanescente a qual, num charuto de boa estirpe, deve ter o formato da ponta de um lápis. Mas, torno a afirmar, trata-se de preferência pessoal e não de uma regra.

Há, inclusive, disputas de charuteiros para ver qual é capaz de conseguir a cinza de maior comprimento. Neste mundo tem gosto para tudo.

Outro caso, não o testemunhei, falo de oitiva, diz-se haver acontecido num tribunal, nos tempos de liberdade para fumar.

O advogado de defesa, durante sua participação, fumou um charuto, cuja cinza não despencava. A atenção dos jurados passou a se concentrar na cinza crescente. Quanto maior era, maior a expectativa de todos, ante a iminente e inevitável queda. O advogado terminou sua fala. A cinza não caiu. O réu foi absolvido.

O advogado, habilmente, inserira um finíssimo fio de arame no corpo do charuto. Neste caso, tamanho também foi documento.

Também, ao falar das cinzas dos charutos, vale o registro uma preciosidade pescada no Boletim Suerdieck Nº 3, julho 1949:

Nós, esposas de fumantes, geralmente nos aborrecemos quando os nossos maridos, distraídos com seus charutos no canto da boca, deixam cair as cinzas nos nossos tapetes. Sempre que isso acontece, e acontece com frequência, nós ficamos indignadas, e achamos que os homens não dão valor ao trabalho que temos com a limpeza das nossas casas. No entanto, caras companheiras, eles mesmo sem perceberem, estão contribuindo para a conservação dos nossos preciosos tapetes, visto que cinza do charuto é excelente para combater os insetos que tanto estragam esses caros adornos. Assim sendo, não acham melhor que deixemos que os nossos maridos aproveitem o seu charuto, sem que se incomodem sobre onde jogar a cinza?

Bons tempos!

DO CORTE DO BICO DOS CHARUTOS

Outro tópico que muito depende da preferência individual. Há várias formas de se cortar o bico dos charutos e literatura bastante a respeito.

Eu pessoalmente sou fã das guilhotinas de bolso e, na falta delas, os anos me ensinaram a usar a unha do polegar. Método que não recomendo aos neófitos e que, evidentemente, não é adequado para os charutos tipo torpedos ou pirâmides.

O importante neste assunto é que o corte permita que o fumo flua sem esforço maior, o que impedirá um desagradável aquecimento do charuto.

FIGURADOS?

Outro modismo que, a rigor, tem sido uma volta ao passado.

Trata-se de uma definição cubana que se incorporou à linguaguem charuteira nacional, depois da abertura de nosso mercado às importações e no intento de se acrescentar maior sofisticação ao negócio.

Figurado é termo genérico que define todo e qualquer charuto que não tenha formato paralelo e cujo bico não seja batido ou cortado.

Este termo que não era empregado nas fábricas baianas do passado, embora os charutos produzidos pelas mesmas, nos primeiros tempos, fossem figurados em sua imensa maioria.

As expressões nativas eram distintas.

Quanto ao bico, os charutos eram definidos como de “bico batido” (cabeça fechada, arredondada); de “bico torado” (cortado); de “bico lançado” (no formato da ponta de um lápis, cônico) e “rabo de porco” (bico fechado com uma voltinha torcida da capa).

Quanto ao corpo, havia os cônicos, os paralelos, os cônicos e de bojo e os paralelos e de bojo. A rigor, todos os charutos que não tivessem o corpo paralelo eram charutos “figurados” e produzi-los, além de demandar mais tempo, requeria mão de obra mais especializada, leia-se maior custo.

Por isso, os fabricantes foram tendendo, com o passar do tempo, a privilegiar a produção de charutos cilíndricos com bicos batidos ou torados, abandonando os múltiplos modelos de antigamente. Penso que a popularização do consumo dos cigarros, também tenha algo a ver com isto: fazia parecer que nossos charutos de formatação sofisticada cheirassem a coisa do passado.

O fato é que os modelos não cilíndricos foram sumindo das linhas de produção dos fabricantes baianos até o ponto em que agora, com exceção dos formatos torpedos e pirâmides, nada mais há diferente no mercado.

O conseqüente desaparecimento de operárias treinadas na produção dos charutos de bojo também faz entender a dificuldade das novas fábricas, para produzirem-nos.

ANEL OU ANILHA?

Anel é a palavra portuguesa correta. Foi a sempre empregada pelos nossos fabricantes do passado.

Anilha, termo importado, é outro modismo da atualidade. Não é encontrável na literatura charuteira nacional pretérita.

No meu modesto entendimento o emprego da palavra “anilha” é perfeitamente dispensável. Agora, se você gosta...

É o caso dos termos short-filler e long-filler empregados neste trabalho. Constam por força de esclarecimento ao leitor. Pessoalmente prefiro as brasileiras definições torcida miúda e torcida inteira.

E já que estamos falando dos anéis, questão sempre indagada tem sido quanto à retirada dos mesmos ou à sua manutenção durante o desfrute do charuto. Acho que isto é uma questão pessoal. Pessoalmente prefiro manter o anel. Assim ele me “avisa” que está chegando o momento de desfazer-me do meu companheiro.

A propósito de anéis, recordo caso vivido quando fui a Havana, em 1986. Havendo sido oficial a visita à CUBATACO, fui contemplado com carro e motorista. Ao sair de uma das reuniões mantidas com os diretores do monopólio, dei ao motorista alguns charutos dos que me haviam sido obsequiados. Este se apressou em retirar os anéis, antes de guardá-los. Ao perguntar-lhe o porquê daquela atitude explicou-me que aqueles charutos eram muito caros para o seu salário e, se fosse visto na rua fumando um deles, poderia ter problemas.

Aí uma boa razão para se tirarem os anéis...

DO CHARUTO CERTO PARA A PESSOA CERTA

Aqueles que já tiveram a oportunidade de descobrir as nuances e sutilezas de apreciar o bom tabaco, que o fazem com indulgente moderação, sabem escolher o charuto certo para o momento certo. E, vezes muitas, para o tempo certo. Isto é verdade. Costumo comparar o charuto a uma ampulheta. Só que em vez da fina areia, são as volutas azuladas que contam o escoar do tempo.

Agora, esqueçam este negócio de haver um charuto certo para cada tipo de pessoa. Trata-se de concepção pitoresca, surgida em tempos nos quais se tentava conquistar neófitos, de todas as formas. Quanto a isso, muito me diverti ao ler no Boletim Trimestral Suerdieck Nº, 1949, indicações de marcas de charutos para cada um de cinco formatos de rostos, assim lá definidos: 1) pequeno rosto oval; 2) rosto comprido e oval; 3) rosto cheio e grande; 4) rosto fino e alongado; 5) rosto tipo médio, semi-quadrado.

Só faltou falar-se da cor dos olhos e dos cabelos. Haja imaginação!

DO ACENDER CHARUTOS

Insisto. Não há regras absolutas. Para acender charutos, importante etapa em desfrutá-los, há muitas formas e discussões quanto à fonte da chama a ser usada.

O tabaco tem a propriedade especial de absorver, com extrema facilidade, os odores que estão à nossa volta. Se Você acender um charuto logo após perfumar-se, após o barbear-se, por exemplo, e não lavar as mãos, é tiro e queda. Lá vai seu charuto ficar com o gosto do seu perfume.

Por isso é que, também, os isqueiros com fluído não são recomendáveis. Você irá aspirar aquele sabor desagradável. Tanto quanto, ao acender seu charuto com fósforo, não esperar pela sua combustão completa. Até aí, tudo bem. Isto, porém, não significa que não se possam usar isqueiros a gás, fósforos longos ou até o fogo do fogão. Fósforos comuns, curtos, permitem a incandescência do charuto, mas exigem extrema habilidade do fumador, para não queimar os dedos.

Afora isso, sabe-se residir na extremidade da chama, a temperatura mais alta. Portanto, acende-se com a ponta da chama mantendo-a cerca de um centímetro do pé do charuto que já deverá estar na boca. Eu assim aprecio, pois as concomitantes aspirações e sopros facilitam a queima inicial.

Agora, não vá recorrer nunca ao fogo da sua churrasqueira. O contato com a alta temperatura, mesmo que breve, poderá reduzir de forma drástica a umidade natural do seu charuto, rompendo sua capa.

Após uniformemente aceso, o que se consegue dando-se voltas ao charuto na boca, no ato de o acender, costumo dar um discreto sopro sobre a ponta fumegante, passando a seguir, a desfrutar a delícias e os especiais momentos na companhia do bom companheiro.

De resto é lembrar-se nunca se tragam charutos. O prazer não está nos pulmões.

DA ESTERILIZAÇÃO E DA GUARDA DOS CHARUTOS

Quem trouxe para o Brasil a técnica da esterilização dos charutos por congelamento, foi a fábrica MENENDEZ & AMERINO. Até então, a indesejada praga do fumo (Lasioderma serricorne) dava panos para mangas e dores de cabeça aos fabricantes nacionais. O texto abaixo, extraído do Boletim Suerdieck Nº 1, 1949, é auto-explicativo:

Ainda não foi encontrado um meio de se impedir que os charutos fiquem bichados, sem prejudicar seu sabor. Não devem os nossos consumidores e fornecedores imaginar que o bicho é proveniente de fumo de qualidade inferior. Todos os fumos, de uma maneira geral, são atacados pelo bicho, que se desenvolve se encontrar ambiente propício, isto é, calor e umidade, que devem ser evitados. Se apesar dessa precaução um charuto é encontrado bichado, após a abertura de uma caixa, esta não deve voltar ao depósito para não contaminar as demais. De um modo geral, os charutos não devem ficar sujeitos a prolongada armazenagem, especialmente no nosso clima.

Quanto à guarda dos charutos deve-se ter especial cuidado, pois os mesmos são muito sensíveis, tanto aos odores circunstantes, quanto à temperatura e à umidade relativa do ar. Para guardá-los recomendo caixas apropriadas, encontráveis em tabacarias especializadas.

CONCLUINDO

Há coisas que se pensam, mas não se dizem, nem se escrevem. Mas, estou convicto que os charutos, sendo um desfrute individual, devem ser desfrutados com o engenho e a arte que mais agradem a cada um e respeitando as limitações quanto aos espaços onde são permitidos. Não se pode mudar o mundo.

A vida é assim. Cheia de encantos e tabus. Ai de nós querermos ser censores da humanidade.

As regras estatuídas visam a convivência social. Mas, se tratando da nossa vivência pessoal, cada qual e sem incomodar aos outros, deve ser livre para procurar a melhor forma de estar em paz consigo mesmo.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

SÃO GONÇALO DOS CAMPOS NOS ANAIS DA CÂMARA FEDERAL

O deputado federal EMILIANO JOSÉ (PT/BA) manifestou-se na Câmara Federal, acerca dos 127 anos de emancipação política de São Gonçalo dos Campos. Eis seu pronunciamento:

Senhor presidente, senhoras e senhores deputados,

No próximo dia 28 de julho o município de São Gonçalo dos Campos, no recôncavo baiano, estará completando 127 anos de emancipação política.

Sua origem remonta ao inicio do século XVIII, com o aparecimento de uma imagem de São Gonçalo na área denominada Campos da Cachoeira, onde foi construído então uma capela com o nome de São Gonçalo do Amarante, em torno da qual se formou um arraial de jesuítas e nativos.

O município criado então, com os territórios das freguesias de São Gonçalo dos Campos da Cachoeira e de Nossa Senhora do Resgate das Umburanas, que foram desmembrados de Cachoeira pela Lei Provincial de 28.07.1884, chamando-se então São Gonçalo dos Campos. Em 1931, teve o nome simplificado para São Gonçalo, mas em 1943 retomou a denominação atual.

Para se fazer justiça histórica, é preciso que se destaque que a velha vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira na Bahia, às margens do Rio Paraguaçu, primeiro grande entreposto e ponto de partida das riquezas do sertão rumo a Salvador, com seus saveiros singrando as águas da Bahia de Todos os Santos, com seu casario colonial escorrendo morros abaixo, foi a cidade-mãe de incontáveis municípios do recôncavo baiano.

De suas terras nasceram, entre outras, as cidades São Félix, Muritiba, Cabaceiras do Paraguaçu, Feira de Santana, Conceição da Feira, Santo Amaro, Conceição do Jacuípe, Antônio Cardoso, São Gonçalo dos Campos. Todas herdeiras, quando emancipadas, das culturas da cana, do tabaco, da mistura tão baiana entre a fé cristã e os cantos aos orixás.

São Gonçalo dos Campos, que no próximo dia 28 aniversaria, surgiu então como ponto de parada dos tropeiros que partiam de Cachoeira em direção ao ouro da região de Jacobina. Assim, o pequeno arraial que se formara ao redor de um velho engenho de açúcar e uma capela, fora o embrião da atual cidade.

Diversos filhos teus participaram da epopéia libertadora do jugo português em 1823.

Líderes políticos são-gonçalenses assinaram a histórica ata da Câmara de Cachoeira, quando a 25 de junho de 1822, proclamaram o regente D. Pedro de Alcântara, Defensor Perpétuo do Brasil, evidenciando a sua adesão ao movimento de independência, o que lhes custara um intenso bombardeio por uma embarcação canhoneira portuguesa, ancorada no Rio Paraguaçu.

São Gonçalo dos Campos é terra cuja população, graças às políticas públicas, investimentos, ações e programas do governo federal e do governo da Bahia, aos poucos se emancipa da subserviência ditada pelo coronelato político dos sertões baianos.

Dotada de clima ameno, batizada como Cidade-Jardim, é dona de um parque arbóreo de fazer inveja a qualquer cidade do Brasil.

Em seu território estão os dois maiores abatedouros avícolas da Bahia e a maior fábrica de charutos do Brasil.

Contando com cerca de 32 mil habitantes, divididos quase igualmente nas áreas rural e urbana, suas terras-norte se interpenetram com as terras-sul de Feira de Santana. Tanto que, com a recente criação da Região Metropolitana de Feira de Santana, desta passou a fazer parte.

São novos os ares que oxigenam o visível crescimento de São Gonçalo dos Campos, cidade com a qual mantemos relações de amizade e fraternidade históricas. Por lá, sempre encontramos o abraço sincero de Hugo Carvalho, o gaúcho mais baiano de todo o recôncavo, companheiro de sonho e utopia, com suas incríveis histórias sobre charutos e suas fumaças mágicas. Neste contexto, outros baianos ilustres se destacam, como o meu companheiro Márcio Machado da Silva, popular Nengo. Lá, esperamos no próximo ano a grande vitória de Cláudio Luiz Vale dos Santos, o fulgurante Cacau, que com seu arrebatador carisma, tem mobilizado milhares de são-gonçalenses em prol das mudanças indispensáveis e urgentes que o município necessita promover.

Reafirmo minha alegria em participar de mais este aniversário de emancipação de São Gonçalo dos Campos. Convido a todos os senhores deputados a conhecer também este belíssimo pedaço da Bahia e de nossa história. O povo são-gonçalense nos aguarda para que possamos celebrar juntos os seus 127 anos de paixão pelas causas libertárias e populares.

Muito obrigado.

Emiliano José

Em 13/07/2011

segunda-feira, 11 de julho de 2011

DANNEMANN - A saga de um nome famoso

Quando Gerhard Dannemann iniciou sua saga, desembarcando no porto de Salvador e partindo em direção ao Recôncavo Baiano, não poderia imaginar que iria se converter em legendária figura dos charutos.

Veio como tantos outros alemães, mergulhar sua vida na atividade tabaqueira, negócio de relevante importância no Império do Brasil.

Não sei onde, nem quando aprendeu nosso idioma. Mas sei que, homem educado, conquistou em pouco tempo, influentes amizades no mundo político provincial. Amizades que lhe foram muito úteis, como veremos mais adiante. Não só isso. Dotado de personalidade marcante, se transformou em inconteste liderança empresarial no setor fumageiro.

Encantou-se pela Bahia. Mais ainda pelo casario colonial dos séculos 16 e 17 e suas igrejas, cenário-presépio e fervilhante centro de negócios, no ponto onde o Rio Paraguaçu, descendo em cachoeiras, deixava de ser navegável.

Era o porto de Cachoeira, última parada para saveiros e vapores que não podiam subir rio acima, mas que rio abaixo, invadindo as águas da Bahia de Todos os Santos, escoavam para a capital da Província da Bahia, as riquezas do Recôncavo e outras tantas que chegavam do Sertão, a bordo das marias-fumaças com seus apitos estridentes.

Gerhard Dannemann preferiu a margem direita do rio. Talvez pela razão da paisagem oposta ser mais rica em casarios e assim, se comprazer com o encantador cenário barroco, deslizando morros abaixo. Se isto não foi, deve ter sido pelos comboios da Estrada de Ferro Central da Bahia terem ali, o ponto final de seus trilhos. Ainda não havia ponte para a travessia do rio.

Não perde tempo. Mal completado um ano de sua chegada, cuida em se estabelecer na manufatura de charutos, juntando-a com a atividade exportadora de tabaco. Penso trouxera consigo tal intento, que a decisão não fora algo circunstancial.

Pequenos fabricos de charutos eram constância. Assume um destes negócios.

Em fontes secundárias, tenho encontrado um nome para este ponto de partida, SCHNARRENNBRUCH, mas tanto no contexto global é de somenos importância. O fato é que, como fruto da medida, surge a empresa DANNEMANN & CIA (1873). E toca o barco, correndo roças de fumo e cuidando do fabrico. Passa a conhecer a região, palmo a palmo. Na verdade, São Félix fora escolhida para a matriz do negócio, por contar com menor concorrência de fabricantes de charutos.

Em 1880, seu amigo Ludwig Kruder é convidado para ingressar na sociedade.

Os negócios prosseguem e prosperam sendo a empresa agraciada por Dom Pedro II, com o título de IMPERIAL FÁBRICA DE CHARUTOS DANNEMANN. Isto, acontecido em 1883, por si mesmo, revela o grau de influência política conquistada por Dannemann, em seus primeiros dez anos de Brasil.

Neste mesmo ano, começa a se realizar o sonho dos ribeirinhos e do empresariado cachoeirense. A construção da ponte metálica, ligando os 365 metros de água que separavam as duas margens, a qual é inaugurada, dois anos após. Finalmente o trem chegava Cachoeira e, para se atravessar o rio, os barcos foram-se.

Fico aqui, imaginando o pioneiro Dannemann, nos mornos crepúsculos da região, sentado à beira do caís, por trás de um mar de velas de saveiros, apreciando os guindastes a vapor, que aos poucos erguiam a superestrutura metálica da ponte, encomendada à Inglaterra. Cofiando a barba, fazendo planos, fumando um charuto e matutando quanto à próxima marca a ser produzida. A DANNEMANN, entre todas as fábricas baianas, foi campeã na quantidade de marcas de charutos.

E, como quem ama uma terra, nela deita raízes, no ano da proclamação da República, já casado com Aleluia Navarro Dannemann, Gerhard vira Geraldo. Naturaliza-se brasileiro. Creio deva ter ido a Paris, participar da Exposição Internacional, onde a empresa foi premiada com sua terceira medalha de ouro. Houvera antes, recebido duas outras, em Antuérpia e Berlim.

Havendo se transformado numa liderança empresarial, bem sucedido comercial e socialmente, para a política foi um passo. As terras que escolhera para viver e trabalhar, sitas à margem direita do rio, antiga freguesia e depois vila, são elevadas à condição de cidade com o nome São Félix do Paraguaçu. Topônimo mais tarde, simplificado para São Félix.

Por sua reputação e pelas amizades granjeadas, entre elas a do governador da Bahia, o médico Manoel Vitorino Pereira, Dannemann é nomeado intendente da nova cidade, em 1889. Revelou-se grande administrador. Tanto que nas eleições havidas em 1893, foi eleito o primeiro prefeito de São Félix. Excelente por sinal. Para completar a lista de sucessos, a empresa é novamente premiada. Desta vez, na cidade de Chicago.

Prestígio, recursos e poder formaram assim, o tripé da crescente projeção da DANNEMANN, nos dez anos que se seguiram. Em 1904 seus produtos, expostos em St. Louis (USA) recebem outro Grande Prêmio. Neste mesmo ano, Johann Adolf Jonas ingressa na sociedade.

Dannemann sabia o que fazia. Homem realizado e bem sucedido, via se aproximar o tempo de voltar à terra natal. Cuidava, portanto, de preparar alguém que pudesse, junto com Eduardo Dannemann Filho, ficar em São Félix cuidando dos negócios.

Foi o que aconteceu em 1908. Dado à expansão do comércio de fumo, charutos e outros negócios, Geraldo Dannemann e Ludwig Kruder se desligam da direção da empresa permanecendo sócios comanditários e retornam para a Europa, onde continuaram a serviço da firma. Naquele momento, ficava claro que o mercado externo era o principal alvo.

Efeitos das guerras

Sob a gestão de J. Adolf Jonas a empresa seguiu crescendo, sendo premiada nas exposições do Rio de Janeiro (1908) e Buenos Aires (1910). Em 1911 contava com fábricas em São Félix, Maragogipe, Muritiba e Nagé. Chegava a 2.200 o número de empregados (O PROPULSOR, São Félix, 1911). Em 1913 a empresa recebe outro grande prêmio, na exposição da cidade de Gand, na Bélgica.

Pela continuada participação em eventos internacionais, vê-se que, por detrás de tudo, estava Dannemann articulando o trabalho de difusão do nome da companhia. E assim foi até 1921, quando vem a falecer, ano em que Johann Adolf Jonas naturaliza-se brasileiro. Passa a chamar-se João Adolfo e, como seria natural, o mentor maior da organização.

A Primeira Guerra Mundial resultara em muitas e danosas conseqüências para o setor fumageiro baiano, enfraquecendo, dado à redução dos negócios, as empresas charuteiras e exportadoras.

Assim, para se fortalecerem, as fábricas DANNEMANN e STENDER, resolvem unir esforços, resultando como sucessora a CIA DE CHARUTOS DANNEMANN (1922). João Adolfo Jonas que passara a presidi-la, tendo como diretor o suíço Ernesto Tobler, cuida logo de apresentar a nova empresa na Exposição do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro, quando é premiada.

Dado à junção havida, nos anos a seguir a empresa retomou o patamar de seus negócios, mas Dannemann continuava fazendo falta como ponta de lança na Europa, na defesa e difusão dos interesses empresariais.

João Adolfo Jonas morre em 1937, é substituído por seu filho de mesmo nome, sem tempo para participar dos momentos difíceis que a empresa enfrentaria mais na frente.

Gato escaldado tem medo até de água fria. Em 1938, esboçando-se o cenário de outra guerra, a DANNEMANN que houvera enfrentado o drama do conflito anterior, com seus charutos desaparecendo do mercado europeu, para se proteger de novos prejuízos, firma diversos contratos de franquia na Europa, autorizando a produção da marca naquele continente. Tais contratos, que aqui não foram registrados, estipulavam que os fumos para produção dos charutos fossem comprados da DANNEMANN brasileira. O esquema montado legalizava os charutos feitos no continente europeu, os quais passaram a ser vendidos como oriundos no Brasil.

A medida salvaguardava a presença da marca na Europa, porém não resolvia os problemas oriundos do mercado doméstico o qual, como vimos, não fora o alvo principal da companhia no seu nascedouro. Mas não esqueçamos que, mesmo assim, a DANNEMANN conquistara posição de relevo no cenário nacional.

As coisas continuam a se complicar para a CIA. DE CHARUTOS DANNEMANN manter em operação fábricas que não mais trabalhavam para exportação. Na minha interpretação dos fatos, induzo que a capacidade ociosa se tornara enorme, dado à transferência do direito para produção na Europa. Por isso e para garantir fluxo de caixa, via aumento das exportações de fumo, além de fechar a fábrica de Nagé, novos contratos de franquia são firmados em 1941. Ou seja, a empresa, conscientemente ou não, abdicava da manufatura local de charutos, esperando que as vendas de fumos para o exterior, compensassem o grave desequilíbrio no qual se envolvera.

Como as desgraças nunca andam sozinhas, sempre vêm acompanhadas, o Brasil declara em 1942, estado de beligerância contra as nações do Eixo. A onda antinazista que varreu o país, se abate sobre a DANNEMANN de forma implacável e injusta. Ninguém se lembrou do passado e dos bons serviços prestados pelo precursor Dannemann. Muito menos do relevo da empresa no cenário econômico regional.

Além das perseguições contra os alemães natos, seus confinamentos e demissões sem nada receberem, num inconseqüente gesto, a turba se abate sobre os prédios e instalações da DANNEMANN, depredando o escritório em Salvador, bem como as fábricas de São Felix, Muritiba e Maragogipe. Batia na própria cara. Acabava assim, com o ganha-pão de muita gente.

A empresa fica sob intervenção das autoridades nacionais, sendo nomeado o extinto IBF – Instituto Baiano do Fumo, para administrá-la. Houvesse dinheiro das burras oficiais para recuperar os estragos.

E como ficava a condução das rotinas da empresa, exercida pelos técnicos alemães demitidos?

O resultado foi o ingresso numa fase de franco declínio.

Não tendo IBF dado conta do recado, vem a ser substituído por novo interventor, o Banco do Brasil, representado por Paulino Jaguaribe de Oliveira o qual, se de charutos conhecesse alguma coisa, seria porque, talvez os fumasse. Mas isto não é o bastante. A espinha dorsal da companhia fora quebrada. O conhecimento e a experiência, acumulados ao longo de setenta anos, haviam sido jogados fora. Quem duvidar que intente assumir uma empresa charuteira, sem nunca ter ralado no chão de fábrica e sem haver, centenas de vezes, espalmado fumos e aprendido a distinguir suas nuances.

Em 1945 somam-se convergências negativas. Ao despreparo de comando se junta a queda de exportações de fumos para a Europa, sustentáculo financeiro da empresa. Para dar uma aparência mais brasileira, tomou-se uma providência cosmética. Mudou-se a razão social para CBCD - CIA. BRASILEIRA DE CHARUTOS DANNEMMANN. Claro que para viabilizar financiamentos com vistas a soerguer o negócio.

Nada adiantou. As fábricas são fechadas em 1948. Só em São Félix foram 1.000 os demitidos. Nos três anos seguintes, a empresa prosseguiu apenas no segmento da exportação de fumos. Seus charutos desapareceram do mercado nacional. Os do exterior, lá continuavam sendo fabricados pelos franqueados.

Em 1951 são reabertas as fábricas de São Félix e Muritiba. Segundo apurei em relatório existente no Arquivo Público de São Félix, em agosto do referido ano a produção das duas fábricas alcançou 4 milhões de charutos, sendo o estoque final de quase 8 milhões de unidades.

Em 1953 a exportação de fumos, fonte de recursos para custeio das fábricas, deixa de ser feita pela CBCD. Os fumos para produção de charutos DANNEMANN no exterior, passam a ser abastecidos pela DANNEMANN EXPORTADORA DE FUMOS LTDA, com capital holandês. Empresa criada justamente para tal finalidade.

A fabricação local tendo que conviver apenas com o resultado das vendas no mercado doméstico, não resiste. Em decorrência, entra em processo de insolvência, vindo a falir em 1954, fechando as duas fábricas e o escritório na capital baiana.

A empresa fica acéfala, em bom português, a Deus dará. Em tal momento, o gestor da CBCD era Francisco Aragão.

Daí em frente, foram outros 15 anos de idas e vindas.

Os bens da empresa foram leiloados em 1961, tendo a SUERDIECK arrematado prédios, máquinas e equipamentos.

Começam disputas pela propriedade da marca. A SUERDIECK se oculta por detrás de uma nova empresa denominada DANCOIN – DANNEMANN COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA, em nome da qual Francisco Aragão arremata as 70 marcas de charutos e 28 de fumos que foram leiloadas. Em função disto, em 1962, as marcas DANNEMANN, voltam a serem ofertadas no Brasil, produzidas na fábrica da SUERDIECK de Cachoeira, sob licença da DANCOIN.

Em 1963 para assegurar a exclusividade da fabricação brasileira das marcas DANNEMANN, a DANCOIN requer a baixa da CBCD na Junta Comercial da Bahia, como produtora de charutos. Também, sem levar em conta os antigos contratos de franquia, intenta exportar para a Alemanha. Deu-se mal. Esta operação foi embargada sob a alegação que os direitos de venda da DANCOIN eram restritos ao mercado nacional. Perdendo a demanda na Europa, a DANCOIN parte para registrar a marca DANNEMANN em outros mercados externos.

Em 1965, em virtude de ação jurídica interposta por um dos sócios da CBCD, o registro da empresa é revalidado voltando, portanto a existir. Apenas no papel. Sem sede, sem fábrica, sem empregados.

Passam-se dois anos e a demanda internacional pela distribuição da marca chega a um acordo. O mercado europeu ficou com o empresário George Koch e o restante com a DANCOIN. Esta, além de aceitar a retirada do nome Dannemann de sua razão social, passando a intitular-se DANCOIN – COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA, reconheceu o direito da CBCD voltar a produzir charutos para a Europa.

A volta por cima

Em função do acordo, a CBCD – CIA. BRASILEIRA DE CHARUTOS DANNEMANN, amparada pelos franqueados europeus, torna a produzir charutos em São Félix em 1970, abrindo sete anos após, uma pequena unidade na cidade de Cruz das Almas. A DANNEMANN era então comandada por um grupo suíço-alemão, tendo de um lado a família suíça BURGER e, do outro, a empresa MELITTA alemã.

Passara o período das tormentas. Os brasileiros voltaram a encontrar charutos DANNEMANN, nas tabacarias nacionais.

Em 1981 Hans Joseph Maria Leusen, holandês de origem e cônsul honorário de seu país na Bahia, residente no Brasil desde 1962, por desfrutar da confiança dos controladores da DANNEMANN, assume a presidência da organização brasileira.

Em 1988, ao se completarem 115 anos de fundação, o controle da companhia passa às mãos do grupo suíço BURGER SOEHNE. Era ponto de partida para nova etapa na vida empresarial.

Para comemorar a efeméride, assim como o centenário da emancipação de São Félix, a empresa compra as ruínas do prédio que fora o berço de sua história. Reconstrói o mesmo, mantendo a belíssima fachada primitiva e ali instala um ponto voltado para as artes e a cultura. O CENTRO CULTURAL DANNEMANN, inaugurado em 1989.

Em 1995, transfere o fabrico de charutos de Cruz das Almas para São Félix, integrando-o à nova infraestrutura que montara.

Agora, na margem do rio, onde Dannemann testemunhara a construção da ponte, o nome famoso prossegue sua saga.

O atual guardião da marca DANNEMANN e seu comandante no Brasil, Hans Leusen, profundo conhecedor da empresa aqui e além-mar, ao ser entrevistado, revelou-se firme em suas colocações quanto à indústria charuteira.

Eis, em síntese, suas opiniões sobre o momento presente. [] o fumo sempre terá chance de sobreviver [] os governos não têm o mesmo vigor contra as bebidas e as drogas, que adotam contra o fumo [] na Holanda as ações contra o fumo são de tal ordem que em muitos coffee-shops é permitido fumar maconha, mas cigarros e charutos, não [] os fumantes irão encontrar espaços onde poderão fumar [] álcool e tabaco sempre existirão [] as bitolas grandes dos charutos, serão substituídas no futuro, pelos small-cigars [] a Dannemann no Brasil se preocupa acima de tudo com sua imagem [] não sacrifica seu padrão de qualidade para reduzir custos [] não faz nenhum tipo de concessão comercial [] daí seus charutos serem mais caros []

As marias-fumaças, os saveiros e suas velas, o tempo levou. Mas a DANNEMANN, o Paraguaçu e sua ponte continuam.

Por certo Hans Leusen, ao evocar o passado, contemplando a paisagem barroca na outra margem do rio, vendo as mulheres trabalhando na fábrica rodeadas de obras de arte, nutre justificado orgulho em presidir a companhia.

Hoje, a exemplo do pioneiro, enquanto fuma seu charuto, senta-se ao cais em frente à fábrica, se enamora do rio, mira a ponte, acompanha o presente e sonha com o futuro.

domingo, 19 de junho de 2011

GONÇALÓPOLIS

FM-316 GONÇALÓPOLIS


Gonçalópolis é cidade imaginária, quase-mar, quase sertão, minúsculo ponto no mapa nordestino, no qual trens já passaram e aviões nunca chegaram. De quando em vez era sobrevoada por um helicóptero de endinheirado visitante, quando o mesmo mantinha negócios com o prefeito de da época. Negócios tidos como maracutaias, levantando especulações e suspeitas da parte dos adversários. Nunca apuradas e que, portanto, deram em nada.

Gonçalópolis dispõe de uma emissora de rádio cuja grade conta, entre outros, com transmissões de missas e ave-marias e programas de conteúdo direcionado. Nos anos 90, após longa demanda, a Igreja conseguiu reaver a direção da emissora, que se encontrava em poder um grupo que dela se servia em proveito próprio. Passou-se o tempo, a direção maior voltou às suas origens, mas a emissora em si, não mudou. Mudaram apenas os que dela se valem.

Coisas de Gonçalópolis onde, na quase regra nacional, a ética e os bons princípios parecem ter sido jogados para debaixo do tapete. Onde os que se envolvem na política são capazes de vender suas almas ao diabo por duzentos votos. Onde repórteres, que se aventuram à condição de comentaristas, são capazes de aceitar, como presente, uma motocicleta oferecida pelo gestor da Comuna.

Que condições teriam os primeiros de se posicionarem contra os garantidores de seus votos? Que independência os segundos, de fazer comentários outros, se não elogios, ao prefeito?

Em Gonçalópolis, por serem os programas radiofônicos políticos terceirizados, mais vale a força da grana. Na mídia não há lugar para opiniões que não rezem pela cartilha dos patrocinadores indiretos. Ou compram um horário, ou ficam fora da mídia. E quando é aberto algum espaço, via ocasionais entrevistas gravadas, o “comentarista”, dispondo de todo o tempo do mundo, cuida de neutralizar, às vezes até achincalhando, as declarações dos entrevistados, transformando-as em gancho para proselitismo em favor dos que custeiam os programas e dos respectivos pré-candidatos às próximas eleições.

Os gonçalopolitanos sem acesso pleno à mídia radiofônica, não têm sequer o direito de informar a população, via carros de som. Logo após, num de tais programas são chamados por um dos membros do tríplice poder reinante, de “caras de pau” e seu partido político é classificado de forma pejorativa como “determinada facção”.

Coisas de Gonçalópolis onde parece não ser benquista a decantada liberdade de imprensa. Onde a rádio católica não mostra à população a importância do trabalho social desenvolvido pela própria Igreja em favor da sociedade. Trabalho este de uma dimensão admirável seja através dos Encontros de Casais com Cristo, seja através das diversas Pastorais, seja no campo da recuperação de dependentes químicos. A emissora deixa de potencializar tal trabalho, usando-o como poderosa ferramenta indicativa dos caminhos a serem trilhados para se atingir uma transformação social, em favor dos mais necessitados. As pregações dominicais não bastam.

Gonçalópolis tem coisas que até Deus duvida. Houve tempo, não muito distante, no qual os veículos prestadores de serviços à saúde pública, alugados, eram plotados com sorridentes fotos de um médico benfeitor. Dizem as más-línguas do lugar, que as receitas prescritas pelo citado esculápio, tinham também impressa sua foto. Recuso-me a acreditar que isto haja acontecido. A adotar-se tal inusitada forma de difusão de imagem, melhor seria que em lugar de receitas, que só servem a doentes, se recorresse ao papel higiênico. Afinal, este todo mundo usa.

Na imaginária Gonçalópolis as justificativas para os requerimentos dos edis, dirigidas ao Executivo, nunca se amparam em dados técnicos ou estatísticos, nem em um mínimo de estudo formal à luz do Orçamento Municipal. Na quase totalidade dos casos, se contentam em dizer que visam atender pedidos da população. E mais. Em Gonçalópolis reina uma espécie de silencioso acordo entre os vereadores, segundo o qual os mesmos, não costumam questionar as justezas das demandas de seus pares. Aprovam-nas sempre. Numa unanimidade que às vezes cheira a descaso, desinteresse ou temor de terem questionadas, em represália, suas eventuais solicitações futuras. Em Gonçalópolis a Câmara não se detém sobre a execução do Orçamento Municipal, nem publicamente o discute. Se o faz deve ser a portas fechadas. Também pudera! Os poucos vereadores que, raramente, se dispõem a examinar as contas da Comuna, não têm sequer o direito de tirar cópia xerox ou fotográfica da papelada, quando em visita ao Tribunal de Contas dos Municípios. Muito menos de se fazerem acompanhar por um assessor afeito à leitura de documentos contábeis. Parece piada, mas não é. Portanto, se o vereador não for contador ou técnico no tema – coisa que não é obrigado a ser – ante tantas limitações, é simplesmente levado a deixar de exercer seu papel fiscalizador. Fiscalização que, no fundo, parece não interessar a ninguém.

Gonçalópolis é uma das muitas cidades onde prefeitos reinam, onde prefeitos com contas rejeitadas podem governar sob liminares judiciais, mantidas à custa de altos honorários advocatícios pagos com o dinheiro dos cidadãos.

Lá, mesmo eventuais escancarados escândalos na administração municipal, não podem ser perfeitamente controlados. Houve o caso de um gestor público que, poucos dias de governo, pagou mais de R$ 100 mil a título de combustíveis. Deu em nada.

Em Gonçalópolis determinado prefeito faz um quiosque numa praça (os prefeitos gonçalopolitanos adoram praças) e o outro, que lhe sucede, desmancha a obra. No mesmo local, constrói a mesma coisa, apenas com distinto molde arquitetônico. E, tudo bem. Outro prefeito faz uma praça nova, com fonte-lago luminosa. O que lhe sucede, faz da fonte-lago um túmulo, entulhando-a e plantando flores no local. E, tudo bem. E o bom-senso, o velho bom-senso do protesto, que deve nortear as pessoas em geral, em especial as que são eleitas para representá-las, fica amordaçado. Por que reclamar se, a verdade deve ser dita, os representantes eleitos “dependem” dos prefeitos para terem suas solicitações atendidas? Tais submissões, visão caolha e falta de compromisso, enfraquecem a democracia, induzindo a um populismo centralizado nos chefes do Poder Executivo que tudo resolvem, tudo decidem, pouco delegam. Agem domesticamente, como se a prefeitura fosse suas próprias casas.

Acho até que, em Gonçalópolis, os vereadores ganham pouco. Valor que não chega a sete salários mínimos para, afora participarem das reuniões semanais, cumprirem seus papéis de legislar, fiscalizar e propor políticas públicas. Se, de fato, cumprissem integralmente tais papéis, até aí estaria tudo bem. Acontece que o bicho pega quando os vereadores têm que se virar, que nem bolacha em boca de velho, para satisfazer os inacabáveis pedidos da população gonçalopolitana acostumada a receber favores individuais dos políticos o tempo inteiro. Culpa deles mesmos que, na maioria dos casos, praticam campanhas eleitorais deformadas. É um nunca acabar de rodadas de cervejas, medicamentos, rifas, transporte de doentes (acreditem, eu disse transporte de doentes), presentes de aniversários e casamentos, gás de cozinha, contas de água e energia elétrica, festas do dia das crianças, dos pais, das mães, um rosário sem fim para o qual, haja dinheiro!

Assim são a vida e a democracia de Gonçalópolis. A subserviência mantida à custa do dinheiro dos contribuintes. Atrever-se conta o sistema, quem há de?

Momentos há em que penso bom seria se o nome da minha cidade de São Gonçalo dos Campos fosse mudado para Gonçalópolis. Depois, dispenso o pensar.

Ai de nós fôssemos gonçalopolitanos. Ainda bem que somos são-gonçalenses.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

FM 315 - Adeus, Ano Novo

Em minha crônica anterior ao citar os versos “a gente não quer só comida, a gente quer diversão e arte”, fiz referência a Gonzaguinha, dando a entender seria seu autor ou intérprete. Atenta leitora do Recife, uma das minhas noras por sinal, alertou-me ser a letra da canção “Comida” de autoria de Marcelo Fromer, Arnaldo Antunes e Sérgio Brito, interpretada pelos Titãs. Portanto, meu público agradecimento à nora pernambucana.

Devo dizer que música nunca foi meu forte, nem minha vocação. Lembro-me que em 1954, ano da morte de Getúlio Vargas, estudando no Colégio São Francisco na cidade de Rio Grande, tínhamos uma disciplina denominada Canto Orfeônico. Entre outras coisas, havia os ditados musicais. Lá vinha o mestre marista, de batina preta, ditando para que registrássemos numa pauta, clave de fá, si bemol, ré sustenido, e por aí seguia a cantilena. Tínhamos que saber solfejar. Sofria horrores. Tanto quanto se hoje, tivesse que ser submetido a um ditado em grego, hebraico ou mandarim.

Confesso ter sido a única matéria na qual eu recorria à famosa “cola”. Cola que me evoca quadrinha então na moda: Escola, sem “es” é cola; escola sem cola não há; tirando a cola da escola; a turma não passará.

Portanto, entre minhas limitações muitas, sempre fui péssimo em assuntos ligados à música. Por isso as desculpas a meus leitores e leitoras, por haver confundido Gonzaguinha com os Titãs.

E já que o tema é música, avancemos. Não nutro simpatias por todos quantos levem música aos ouvidos do povo. Não, não me refiro aos que são intérpretes ou a aos que tiram acordes de instrumentos musicais. Não nutro simpatias por certa classe de políticos, hábeis no manejo “musical” das palavras, dizendo ao povo o que o povo gostaria de ouvir, não se importando se irão, ou não, cumprir suas entoadas promessas.

Dá-me um certo gosto masoquista ouvir tais cidadãos, quando inquiridos sobre seus pretensos rumos, ficar em cima do muro, aguardando a direção dos ventos para no derradeiro instante, apoiar o candidato que terá maiores chances de vencer.

Na Bahia de Todos os Santos, de Todos os Mistérios, de Todas as Crenças, de Todos os Charutos, vem sendo assim. Os oportunistas de carreira, não pertencentes ao partido político do atual Governador, candidato à re-eleição, elogiam-no e, ao mesmo tempo, acendem velas e incensos a outros contendores. O quadro, aqui na minha querida São Gonçalo dos Campos, não foge à regra.

Espertos como eles só, na orquestração da caminhada, compõem-se agradando a uns e a outros. Na hora “H”, dentro dos limites impostos pela legislação eleitoral, ouvidos os ibopes da vida, descambam com armas, bagagens, currais e paus-mandados para a banda do virtual vencedor, intitulando-se aliados da primeira hora.

Senhores que só aceitam opiniões por si ditadas costumam chamar de “caras de pau” aos que, politicamente, não rezam por suas cartilhas. Compreende-se. Ao dizê-lo estão se mirando nos espelhos de suas próprias vidas.

Valem-se dos dinheiros havidos pela dominação e pelo senhorio para se manterem na crista da onda junto ao poder. E o povão, que se informa pelas mídias por eles controladas, acha-os maravilhosos. E neles vota, perpetuando o esquema de subserviência. Até quando?

Do jeito como as coisas andam, ao menos para os que almejam que o novo ano seja ano de transformações e separação do joio do trigo, ao soar a meia noite do próximo 31 de dezembro, em vez do tradicional Adeus, Ano Velho, melhor será dizer-se Adeus, Ano Novo.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

FM 314 - Feliz Natal Básico


São Gonçalo dos Campos, contrariando a regra cultural da civilização cristã, não se iluminou, nem se engalanou neste Natal. Quem frequenta as noites são-gonçalenses deste final de ano, ao menos até agora, não é brindado com as festivas luzes, cores e símbolos que costumam despertar na cidadania, sentimentos de paz e de fraternidade.

A ausência das emblemáticas manifestações alusivas à data faz pairar no ar certa sensação de desencanto e vazio no espírito coletivo. É como se estivesse faltando algo. Cessa tudo.

Em contrapartida o Governo Municipal ao não investir na decoração natalina, optou por distribuir 4 mil cestas básicas, certamente para a população de baixa renda, mais necessitada. Uma inédita medida que não preenche o vazio acima aludido posto que, para tudo na vida, há um tempo certo. Já imaginaram se todas as cidades brasileiras que se ornam para o Natal, adotassem igual procedimento?

Neste momento, aqui no meu recanto de meditações, meu charuto-companheiro me indaga quanto à justeza da iniciativa, anunciada em singelas placas colocadas nos dois principais acessos da cidade, levando-me a algumas ponderações.

Quatro mil cestas básicas, em tese correspondem a quatro mil famílias. Quatro mil famílias, tomando-se como base quatro membros por família, significa que, indiretamente, algo ao redor de 16 mil pessoas serão brindadas com o inusitado presente natalino.

Por outro lado, considerando-se que somos cerca de 32 mil são-gonçalenses, sou levado a concluir que metade de nossa população se encontra na faixa limiar da pobreza, assim fazendo jus ao recebimento de uma cesta básica. Tudo bem! Vá lá que seja! Somos pobres mesmo.

Agora, fica a indagação sobre a composição e respectivo valor da cesta básica municipal para que os cidadãos possam tomar conhecimento do montante investido, em substituição aos gastos com a decoração da cidade. Espera-se também, a título da transparência das contas públicas em dias de modernidade, que se publique em mídia eletrônica, a relação das quatro mil famílias beneficiadas e que, sejam quais forem os resultados da medida, isto não vire modismo.

Os gastos com a cultura de um povo podem parecer supérfluos ou desnecessários, mas não o são. Um povo sem cultura é um povo sem identidade. Como diria o saudoso Gonzaguinha, “a gente não quer só comida, a gente quer diversão e arte”.

Este ano, portanto, fujo à regra e seguindo o que acontece por aqui, desejo a todos os que me lêem um Feliz Natal Básico.